NOMENCLATURA
Antes de seguir com o blog, vale tratar da terminologia. Há um punhado de termos usados no lugar de velhice. Que vem do latim vetus, “velho, idoso”, literalmente “do ano anterior”. A partir de uma fonte Indo-Europeia, wetos, que tem a ver com “anoso” isto é, “com anos, entrado em idade”.
As tentativas de emplacar outros termos incluem terceira idade, melhor idade, anos dourados. Para a série de documentários Envelhecer, que estou preparando para o SESCTV, conversei com especialistas da área, mas não encontrei nenhum defensor desses supostos sinônimos.
Alexandre Kalache, epidemiologista especializado no estudo do envelhecimento, co-presidente da Aliança Global de Centros de Longevidade Internacionais: “Melhor idade não existe. É aquela que você tem seja qual for e o que você tem qualidade de vida, que você possa estar independente, que você tenha autonomia, são dois conceitos diferentes, independência, você realizar atividades do dia a dia sem uma ajuda imediata para comer, para escovar o dente, para fazer um pagamento. Autonomia, não, você pode estar dependente numa cadeira de rodas, você pode ter problemas físicos locomotores, o que seja, mas você vive a sua vida de acordo com suas regras, com os seus desejos. E autonomia é muito mais nobre do que a independência, você pode estar aqui numa cadeira de rodas, mas você determina a que horas você vai comer, a que horas você vai sair, você mantém a vida de acordo como você quer. E de repente você pode acabar numa instituição em que a hora de comer está pré-determinada, você não pode mais decidir quando vai sair ou voltar, a que horas vai dormir, se vai ler até mais tarde, que eu ver TV ou fazer um Skype com meu filho que mora em Londres às dez da noite.
Beltrina Corte, jornalista e professora, coordenadora do grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação também torce o nariz para os eufemismos. Acredita que melhor seria aceitar a realidade, os cabelos brancos, as rugas, um corpo mais quadrado e ter orgulho em vez de vergonha, como aconteceu com as feministas: “Falta pra nós termos orgulho de sermos velhos. Os velhos não têm orgulho de ser velhos. Pra mim é indiferente o termo, terceira idade, quarta idade, mas essa ojeriza, essa forma de se afastar cada vez mais, esse nosso processo de finitude, leva as pessoas a inventarem outros nomes. Sinceramente, acho que a gente tem que assumir a velhice e dizer eu sou velha e trabalhar esse preconceito em relação à nomenclatura”.
Ana Claudia Quintana Arantes, médica, formada pela USP com residência em Geriatria e Gerontologia no Hospital das Clínicas da FMUSP e pós-graduada em Psicologia tem se dedicado aos cuidados paliativos. Acha que por trás desses termos está a indústria da autoajuda, que quer apagar a sensação de fracasso. Missão impossível: “A gente tem uma coleção de situações e de coisas que dão errado e a gente não aprende a lidar com o que dá errado. E a gente busca, de uma forma muito inocente, a questão de dar certo. Mas o que é dar certo, qual é o pulo do gato? Se você aprender a perder, você nunca tem fracasso. Porque você vai entender que a sua perda faz parte do seu aprendizado, você estará preparado pra perder. E aí é totalmente diferente de experimentar fracasso. Fracasso é quando você tinha certeza que você ia ganhar e você perde, você não sabe lidar com essa perda. Aí, você fracassou. Agora, se você estava lutando pra ganhar e você perdeu, mas você fez o melhor que você podia, isso não é fracasso”.
A psicóloga Anita Liberalesso Neri, da Unicamp, atribui a criação do termo terceira idade a uma tentativa de negação: “É um eufemismo. Felizmente cresce o número de idosos ou quase idosos que tem crítica com relação a esse rótulo como: “melhor idade”, ou outro: “idade dourada”, e outros parecidos. Esse rótulo foi cunhado no bojo de um movimento que tentava aumentar a probabilidade de que os idosos se cuidassem. As pessoas foram responsabilizadas pelo seu próprio envelhecimento. A gente escuta muitas coisas, às vezes mimetizando palavras de outras línguas, por exemplo “adulto maior”, no sentido de que ele é maior porque ele é o maioral, ele é o melhor, não, as pessoas tomaram do espanhol essa expressão pra significar o que ela não significa, né. Velhice é a última etapa do ciclo vital, você envelhece a partir do momento que você amadureceu sexualmente. Se o ser humano fosse importante apenas em termos biológicos, ele morreria logo depois de deixar de procriar. A cultura criou a velhice. E criou uma velhice cada vez mais longa. Hoje muitas pessoas tem uma grande chance de passar uma parte substantiva de sua vida, maior muitas vezes que a vida adulta, como idosos, do que como adultos. É uma grande conquista da humanidade, uma grande conquista da cultura. Mas não tem melhor idade, maior idade, etc… etc… Velhice, e pronto.”