Fui abastecer, achei que era Alzheimer

Aconteceu nas últimas férias de verão, aqui em Portugal. Netas, filho e nora para a praia, não cabiam num carro e alugamos dois. No volante de um deles, vi que era preciso abastecer – o outro tinha combustível suficiente. Como qualquer consumidor na Europa, liguei a bomba, coloquei a mangueira no bocal do tanque e fiz o serviço que no Brasil, cabe aos frentistas. Tanque cheio, conta paga, arranquei. Menos de um quilômetro depois, pimba! Pane no motor. Foi quando me dei conta da besteira: enchera o tanque do carro a gasolina com gasóleo, ou diesel para nós. As duas bombas ficam lado a lado e na correria e excitação, misturei as bolas.
Liguei para a locadora e informei o ocorrido. Disseram que iam mandar um reboque e um táxi. As “meninas” seguiram para a praia num carro, enquanto eu e meu filho acompanhamos o outro até o páteo de recolha dos carros avariados, de onde o táxi nos levou até a locadora. Ali, para nosso desencanto e desespero, ficamos sabendo que o seguro não cobria meu erro, classificado de “negligência”. Teria de alugar outro carro e pagar o prejuízo – uma nota. Tentei a saída brasileira – o jeitinho. E se eu consertasse o carro? O atendente disse que ninguém havia tentado antes e que nesse caso, o problema seria nosso.
Voltamos ao pátio, conseguimos uma empresa especializada em trocar combustível ( a negligência é frequente, pelo visto) e horas e algumas centenas de euros mais tarde, chegamos à casa alugada.
Na volta, o carro que nos levara até lá sem problemas deu pane e foi rebocado até a locadora. Parece que a troca de combustível não resolveu tudo e ao abastecer novamente, agora com gasolina, o motor deu problema. No dia seguinte, fui devolver o outro carro. Tanque vazio, parei no posto, olhei duas vezes para as bombas, antes de abastecer. Alguns metros adiante, outra pane no motor. Estava tão certo de ter colocado gasolina que caminhei pela margem da autopista, arriscando a vida, até alcançar o posto e me dar conta de que enchera com gasóleo, mais uma vez. Moral da história – um prejuízo enorme, que destruiu o planejamento financeiro das férias e dos meses seguintes.
Pior foi a conclusão a que cheguei: só podia ser Alzheimer. Já havia começado as pesquisas para os documentários sobre envelhecimento, que levaram a este blog, mas ainda não entrevistara nenhum especialista. Esperei ansioso pela consulta com minha médica de família, aqui em Lisboa. A jovem doutora ouviu minha história e depois de conter o sorriso, fez várias perguntas:
– Sabe o nome dos seus filhos? Sabe onde mora? Lembra o nome de objetos de uso comum?
Diante das respostas afirmativas, dispensou qualquer exame mais complicado e receitou um remedinho para a memória. De volta ao Brasil, a jornalista Claudia Erthal, que divide comigo a direção da série Envelhecer, ainda em produção, foi conversar com a médica Claudia Suetomo. Professora doutora da Disciplina de Geriatria da FMUSP, ela é pesquisadora do Biobanco para Estudos em Envelhecimento da FMUSP e do Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA-Brasil). Em seu doutorado, pesquisou a associação entre fatores de risco cardiovascular e demência.
Claudia explicou que por volta dos 30 anos, todos começamos a perder neurônios, sem reposição. Diminui também a complexidade das comunicações entre os neurônios que se assemelham a árvores que vão perdendo os galhos – a rede dendrítica, na terminologia científica.
Assim, ao envelhecermos, vamos ficando mais lentos, temos mais dificuldade de aprender. É por isso que nossos netos (ou filhos) são capazes de descobrir como funcionam as novas bugigangas eletrônicas que nos tiram a paciência.
“Eu até brinco com os alunos aqui, eles conseguem fazer quatro coisas ao mesmo tempo. Eles conseguem prestar atenção na aula, responder um e-mail, depois ver um twitter e ainda falar com o cara do lado e tá tudo bem. Quando a gente fica mais velho, não fica tão rápido pra fazer quatro, cinco coisas ao mesmo tempo. Temos de ter o discernimento de fazer uma coisa de cada vez pra fazer bem feito.”
Alzheimer é uma grande ameaça. É um tipo de demência que provoca uma deterioração global, progressiva e irreversível de diversas funções cognitivas (memória, atenção, concentração, linguagem, pensamento, entre outras). Nas fases iniciais, manifesta-se muitas vezes por lapsos de memória e dificuldade de encontrar as palavras certas para objetos do cotidiano. Seu diagnóstico é complexo e só se torna efetivo com a autópsia do portador. Quem resolve colocar as bombas de gasolina e gasóleo lado a lado e empoderar os consumidores, eliminando os frentistas, talvez não saiba disso.