Debate sobre reforma da Previdência chega a Portugal

Uma nova reforma do sistema previdenciário começa a ganhar espaço no debate público em Portugal (a última grande mexida foi em 2002 e houve ajustes em 2012). O principal motivo é a conjugação entre o envelhecimento da população com a queda nas taxas de natalidade, que já acenderam o sinal vermelho faz tempo. Atualmente, a aposentadoria em Portugal tem idade mínima de 66 anos e cinco meses, que vai subindo conforme aumenta a expectativa média de vida. Mas há quem diga que é preciso aumentar a idade mínima e fazer com que mais gente trabalhe por mais tempo – ou vai faltar dinheiro para sustentar a legião de idosos no futuro.

Segundo as principais estimativas, em 2050 os portugueses serão menos de nove milhões e entre estes haverá sete com mais de 65 para cada grupo de dez em idade ativa, tornando complicado manter o atual sistema.

Mas a discussão ganha corpo pelo fato de estarmos num ano eleitoral, onde, como sempre, governo e oposição tem interpretações e soluções distintas, quando não opostas para os principais problemas.

Há duas semanas, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou um relatório mostrando que entre os 36 países da instituição, Portugal se destaca por ser o que mais penaliza os que se aposentam antecipadamente e ao mesmo tempo, o segundo que menos valoriza quem permanece por mais tempo no mercado de trabalho (perde apenas para a Bélgica). Uma pessoa que decida se manter empregada para além dos 66 anos e 5 meses verá sua aposentadoria reforçada em apenas 5,4%. Se trabalhar mais três anos, o reforço será de apenas 9,1%, bem menos que as médias (7% e 22% respectivamente).

No mesmo relatório, a OCDE defende a eliminação do regime atual, que permite aos desempregados há mais de um ano anteciparem a aposentadoria, sem nenhum corte no valor da pensão (em outros casos, é de 0,5% ao mês). Um trabalhador de 62 anos, que tenha perdido o emprego há cinco anos, por exemplo, pode receber a pensão integral. E os desempregados com mais de 52 anos, que tenham contribuído por pelo menos 22 anos podem se aposentar, sofrendo os tais cortes mensais até atingir a idade mínima. Ambos os casos, estão sujeitos à redução de quase 15% nos vencimentos, em função do chamado fator de sustentabilidade, que vincula a idade de aposentadoria ao aumento da expectativa de vida, numa espécie de “gatilho”etário.

A reforma (aposentadoria) antecipada é relativamente comum em Portugal:, em 2016, mais de 30 mil pessoas deixaram a vida ativa antes da idade exigida, metade das quais através do regime relacionado com o desemprego, o que representa 45% do total de 66.700 novos aposentados.

Num evento em Lisboa, esta semana, na Fundação Francisco Manuel dos Santos, ligada a um tradicional grupo econômico local, o francês Bruno Palier, diretor do Laboratório Interdisciplinar de Avaliação de Políticas públicas do Instituto de Estudos Políticos de Paris (SciencesPo) e especialista em sistemas europeus de segurança social, chamou atenção para um detalhe que faz toda a diferença: na Europa do Sul, trabalhadores ativos entre 55 e 65 anos são minoria. E não só por causa da antecipação da aposentadoria e sim porque foram demitidos pelas empresas, sempre em busca de mão de obra mais jovem e mais barata. Acabar com a possibilidade de antecipar a reforma, sem que as empresas mantenham seus funcionários mais antigos poderia criar um exército que não tem nem nem emprego, nem pensão.

A repórter Maria Caetano, do site português Dinheiro Vivo, registrou a visão de Palier sobre o regime de capitalização, adotado no Norte da Europa, no Chile e agora sonhado pelo atual governo brasileiro:

O que sabemos é que, quanto mais facultativo, mais privado, maior a desigualdade. O mercado não garante pensões a pessoas com salários baixos e precárias. As pensões privadas, mesmo quando negociadas de forma coletiva como sucede na Alemanha, visam aqueles que têm bons empregos”.

Palier acha que a sustentabilidade dos sistemas previdenciários não se encontra dentro dos respectivos sistemas, mas fora deles – no mercado de trabalho e na demografia. Ou seja, depende de “educação, formação, investimento em novos setores que criem emprego. Por exemplo, para fazer regressar os jovens a Portugal.”

No mesmo evento, a economista italiana Elsa Fornero, professora da Universidade de Turim, deve ser a estrela desta sexta-feira. Tem outra visão: como ministra do Trabalho do governo de Mario Monti, foi a mentora de uma dura reforma da Previdência que aumentou a idade mínima e cortou pensões e em processo de desmonte pelo governo populista de direita. À Sonia M. Lourenço do jornal Expresso, Elsa Fornero antecipou seu raciocínio: o segredo é explicar o que será feito claramente e reequilibrar o sistema, partilhando sacrifícios entre os mais novos e os mais velhos.

Diante do relatório da OCDE, o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, José António Vieira da Silva refutou a possibilidade de aumentar a penalização sobre quem se aposentar mais cedo: “Não fará nenhum sentido aplicar um fator de sustentabilidade a uma idade de reforma que é já determinada pela existência de um fator de sustentabilidade. Isso seria uma inaceitável dupla penalização.”

Como se vê, reforma da Previdência é debate certo em qualquer país. Principalmente, se vive um processo de envelhecimento da população.