China: envelhecendo depressa demais

 

Embora nem apareça na lista dos 20 países com maior percentual da pessoas acima dos 65 anos – um time liderado pelo Japão com 28,1% – a China está envelhecendo mais depressa que quase todos as outras nações, segundo a ONU. Até 2029, a população que hoje é de 1,3 bilhão de habitantes deve continuar aumentando moderadamente, chegando a 1,4 bilhão, mas a partir daí, declinará, e acordo com um estudo da Academia Chinesa de Ciências Sociais divulgado em janeiro.
Até meados do século XX, a população da China cresceu vertiginosamente: entre 1950 e 1978, a a média anual desse crescimento populacional foi de 20%, levando o governo comunista a proibir que os casais urbanos tivessem mais de um filho, o que fez com que a taxa de fertilidade baixasse de 2,8 filhos por mulher em 1979 para 1,7 em 2014. Em 2013, a lei começou a ser abrandada. Dois anos mais tarde, caiu por terra. O declínio na taxa de natalidade somou-se à ampliação do sistema público de saúde, que fez a esperança de vida aumentar de 43 anos em 1960 para 75 anos em 2013.
Um dos esteios do impressionante desenvolvimento econômico foi justamente sua condição demográfica. O novo cenário vai multiplicar o número de aposentados e oferece um desafio extra para essa geração de filhos únicos que já beira os 40 anos. A força de trabalho da China – entre 16 e 59 anos – foi de 897,3 milhões no ano passado, uma queda de 4,7 milhões em relação a 2017 e deve continuar declinando até 2050.
Há outro complicador, que não se exprime em estatísticas: a moral confucionista, que décadas de governo comunista não conseguiram destruir estabelece que cabe aos filhos cuidar dos pais. A piedade filial (xiao) é a raiz da moralidade chinesa há pelo menos 2500 anos. Um preceito tão enraizado na sociedade chinesa que foi incluído na Lei do Casamento Chinês e em 2013 inspirou a Lei do Direito dos Idosos que determina cuidados mínimos de adultos para com seus pais, como “nunca renegar ou ignorar as pessoas mais velhas” e zelar por suas “necessidades espirituais”.
O mesmo regime que no passado determinava que cada casal tivesse um só filho agora produz propaganda que estimula os jovens a “terem filhos para o país”. Para as mulheres, a sugestão é de que não não adiem o casamento por causa da carreira. Solteiras com mais de 27 anos são rotuladas como shengnu, ou “mulheres que sobraram.” O aborto, outrora completamente liberado, começa a sofrer controle. E na metade do ano passado, dois professores da Unversidade de Nanjing chegaram a propor, num artigo acadêmico, que os adultos com menos de dois filhos paguem uma espécie de taxa para um “fundo de procriação”, destinado a subsidiar as famílias maiores. O artigo foi muito criticado, mas é um sinal dos tempos.
Especialistas ocidentais ouvidos pelo jornal inglês The Guardian dizem que as consequências da onda grisalha na China irão muito além de suas fronteiras. Para Mark Haas, cientista político da Universidade Duquesne, na Pensilvânia, o principal impacto será a “paz geriátrica”: à medida que os gastos com assistência social aumentam, o governo chinês terá de reduzir seu trilionário orçamento de defesa: “Eles não precisam fazer essa escolha. Mas você vai ter centenas de milhões de idosos pobres. Isso cria muita pressão política, mesmo em uma não-democracia como a China. Também cria pressão moral, ” segundo Haas. Os próprios idosos estariam mais propensos à paz.
Já Michael Phillips, um psiquiatra que trabalha na Universidade Jiao Tong, em Xangai, acha que uma grave crise de saúda é praticamente inevitável – e a perspectiva mais assustadora é o crescimento exponencial dos portadores de demência: “É um maremoto que está descendo pelo cano. Eu vejo muitas pessoas fazendo estudos sobre quantas pessoas com demência nós teremos. Mas e quanto a fornecer serviços para eles?”
No começo de março, duas reuniões consecutivas da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e do Congresso Nacional do Povo avaliaram as políticas e prioridades do país para o próximo ano. Uma pesquisa online que recebeu 4,5 milhões de respostas permitiu aos internautas escolherem entre 18 tópicos importantes – combater a corrupção, aliviar a pobreza, relações internacionais, sistema habitacional, reforma educacional, etc. Pelo quinto ano consecutivo, a segurança social ficou entre os três tópicos mais citados, só abaixo do combate à corrupção e do estado de direito.
O envelhecimento acontece em ritmos diferentes, de acordo com a localidade – se no campo ou na cidade e mesmo entre as regiões. A maioria dos idosos rurais continua a trabalhar na terra para se sustentar ou confiar em seus filhos para sustentar a velhice, enquanto as crianças que migram para as cidades geralmente têm empregos mal remunerados e mal conseguem se sustentar.
Diante do mais recente Congresso do Partido Comunista Chinês, o presidente Xi Jinping assegurou que o principal foco de seu governo é enfrentar o desenvolvimento desequilibrado e inadequado e prometeu fortalecer o sistema de seguridade social, dando mais apoio e cuidado aos idosos deixados para trás nas áreas rurais. Os moradores do campo só passaram a ter alguma pensão de aposentadoria a partir de 2009.
Alguns governos locais avançaram mais. Xangai, por exemplo, já instituiu um sistema unificado de pensões urbanas e rurais, que o governo central prometeu estender por todo o país até 2020. De acordo com um documentário veiculado recentemente pela emissora estatal CCTV, o governo gastou cinco bilhões de yuans nos últimos cinco anos para instalar 100.000 creches e centros de atividades para idosos rurais e 110.000 centros comunitários de idosos para moradores urbanos.

Será suficiente para atender às demandas de um país que já tem 158 milhões de pessoas com 65 anos ou mais, ou 11,4%? Isso é mais do que uma vez e meia a definição da ONU de uma sociedade envelhecida, quando 7% da população têm 65 anos ou mais. A ONU prevê que chegará a 17,1% em 2030.