Parlamento inglês acorda para sociedade que chega aos 100 anos

No Reino Unido, começa a surgir um movimento para enfrentar o desafio de uma sociedade em muita gente vai chegar aos cem anos. Na Câmara dos Lordes, o Comitê sobre Equidade entre as Gerações (que tem idade média de 67 anos) produziu um inquérito parlamentar durante doze meses. O relatório final, divulgado no último dia 29 de abril, tem propostas que procuram compensar o que considera desvantagens para os jovens, reduzindo benefícios dos mais velhos.

O outro braço do parlamento inglês, a Câmara dos Comuns, reagiu nesta terça-feira, sete de maio, lançando o Grupo Parlamentar para a Longevidade, com a participação de representantes de todos os partidos. O objetivo do grupo é transformar o envelhecimento do Reino Unido de “problema” para uma das “oportunidades mais promissoras do século 21.”

As propostas dos lordes abrangem vários campos e vão do fim da gratuidade das licenças da BBC ao adiamento da oferta de passes gratuitos para os transportes, passando por mais investimento na área habitacional, mudanças na correção inflacionária de pensões, perdão para dívidas de financiamentos estudantis e alteração nos impostos sobre a propriedade. O relatório, substancial, constitui um inédito empenho de discutir o que a sociedade precisa fazer diante do envelhecimento acelerado e crescente.

A principal conclusão é de que os governos não se prepararam para a realidade atual. “Uma crítica repetida ao longo desta investigação foi que sucessivos governos falharam em planejar o futuro. Isso pode ser visto nos fracassos em assegurar que haja moradias a preços acessíveis, ou em encarar uma população que está envelhecendo e criar um sistema de educação e treinamento que possa responder às próximas mudanças tecnológicas (…) A falta de preparação faz com que as gerações mais jovens sejam incapazes de garantir os empregos e a habitação de que necessitam, enquanto as gerações mais velhas sofrem de apoio inadequado na velhice”.

Aqui, um resumo das principais conclusões e propostas:

• Os dados sobre diferenças geracionais de renda e riqueza e sobre os efeitos potenciais das políticas públicas não são publicados, por falta de vontade política. As regras fiscais ignoram o equilíbrio geracional das dívidas e dos gastos públicos.

• Os mais jovens não tem moradia acessível, educação adequada, nem salários iguais aos que os mais velhos receberam.“É necessário muito mais investimento, tanto no ensino profissional como na aprendizagem ao longo da vida, para preparar as gerações mais jovens para uma vida de 100 anos.(…) Vidas de trabalho mais longas exigirão maior consideração por iniciativas como trabalho flexível, revisões de carreiras de meia-idade e combate à idade no mercado de trabalho. (…) “O conceito de aprendizagem ao longo da vida está a regredir numa altura em que precisamos de pessoas qualificadas de todas as idades para obter emprego, uma situação que se torna ainda mais premente quando considerada no contexto dos 100 anos de vida.” O relatório anotou a observação da doutora Eliza Filby, pesquisadora visitante no King’s College de Londres, para quem a educação recebida aos 21 anos é insuficiente para equipar as pessoas para uma vida profissional que pode durar mais de 65 anos.

• Os governos tem falhado em pensar a longo prazo. Deixaram de fazer a provisão adequada para enfrentar o crescimento dos custos de assistência social na velhice, cada vez mais longa, mas como hoje, os aposentados têm uma renda maior em média do que muitos grupos mais jovens, vai ser preciso fazer grandes mudanças. Prudentemente, o relatório não aponta quais e em que direção, só deixa o alerta, ao dizer que leis, políticas fiscais e de benefícios devem ser modeladas para enfrentar o envelhecimento.

• A flexibilização do trabalho pode ajudar as gerações intermediárias a ir além de cuidar dos mais velhos e dos filhos e em razão do avanço tecnológico. “O trabalho de tempo parcial de qualidade e o trabalho flexível estão em alta demanda, mas há falta de compreensão tanto por empregadores quanto por funcionários.”


• Por volta dos 50 anos, deve haver uma espécie de balanço em que as pessoas recebam conselhos holísticos que as preparem para fazer as melhores escolhas sobre trabalho, saúde e aposentadoria O Serviço Nacional de Carreiras deve implementar um programa nacional de revisão.

• É preciso combater o preconceito contra os idosos. Embora tenha aumentado o número de trabalhadores mais velhos nos empregos (nas últimas três décadas a taxa de emprego entre os 50 e 64 anos aumentou 66% entre os homens e 47% entre as mulheres). Mas ainda há um milhão de ingleses entre 50 e 64 anos dispostos a trabalhar e sem emprego. Uma a cada três pessoas relata ter sido tratada injustamente por causa da idade.”

• A solidão é uma ameaça real. Um relatório da Cruz Vermelha Britânica concluiu que o desaparecimento de espaços sociais, como praças contribui para sentimentos de desconexão. O desaparecimento do comércio de rua diminui o contato entre as gerações. Desde outubro de 2018, há um grupo interministerial para combater a solidão. O governo oferece recursos para entidades voltadas para o assunto e recursos para que as comunidades valorizem os espaços públicos comunitários.

• O princípio básico do Estado de Bem Estar Social já não se aplica, porque as contribuições para a segurança social não estão ligadas a despesas futuras com saúde, assistência social ou aposentadoria. “As mudanças necessárias para o sistema tributário e de benefícios não se referem à redistribuição dos velhos para os jovens, mas são uma parte necessária para garantir que cada geração contribua adequadamente para os custos dos pagamentos e serviços que recebem. Se isso não acontecer, o acordo entre as gerações pode degradar, pois os nascituros estão sobrecarregados de dívidas para pagar os custos de gerações anteriores a eles. O desafio de lidar com os custos de uma geração maior tem sido evidente por décadas, mas os governos não conseguiram lidar com isso. Agora é hora de agir para assegurar que a política do governo seja sustentável para as gerações futuras.”


• O vale-transporte gratuito para idosos começa aos 60 anos em Londres, no País de Gales, na Escócia e na Irlanda do Norte, e no resto da Inglaterra, se aplica a partir dos 65 anos. Apesar da desigualdade, o relatório admite a manutenção dessa situação sob um argumento ambiental: o de “incentivar os idosos menos capazes a usar o transporte público em vez de um carro para viagens curtas ou médias, que os jovens seriam capaz de andar ou andar de bicicleta.”


• Idosos com mais de 75 anos não pagam a licença anual de TV, que custa 154,5 libras por família – o custo é coberto pela BBC. O relatório sugere eliminar essas licenças gratuitas por idade “Aqueles que podem pagar por uma licença de televisão devem fazê-lo. Os mais pobres podem ser subsidiados diretamente pelo governo, se assim o desejarem.”


• À medida em que aumentar a idade mínima de aposentadoria (que em 2028 deve chegar aos 67 anos) também devem ser cancelados os passes gratuitos de ônibus e o pagamento do combustível para os aquecedores no inverno. Aposentados que continuem a trabalhar devem contribuir para a Previdência.

• O Comitê propôs que o bloqueio triplo das aposentadorias, adotado em 2011 e que garante um aumento mínimo nas pensões de 2.5% ao ano, acabe. Segundo o Instituto de Estudos Fiscais entre abril de 2010 e abril de 2016 o valor da pensão foi aumentado em 22,2%, contra um crescimento econômico de 7,6% e um aumento de preços de 12,3% – o que significa que os aposentados viram seus rendimentos aumentar quase o dobro do ritmo do trabalhador médio.

• O relatório critica o Council Tax , um imposto criado pelas autoridades da Inglaterra, Escócia e País de Gales para que os cidadãos paguem pelos serviços locais, como coleta de lixo, policiamento, iluminação, manutenção das ruas, etc. Esse imposto tem como base o valor da casa, apartamento ou outro tipo de habitação. A Comissão concluiu que se o governo quiser manter esse imposto, precisa reformá-lo para corresponder ao valor dos imóveis, permitir às pessoas de baixa renda atrasarem o pagamento até a propriedade ser vendida ou transferida (os inquilinos é que pagam esse imposto). O imposto sobre a herança também deve ser modificado, para “garantir a equidade entre as gerações.”