Cirurgias de catarata resolvem e têm grande demanda; ciência busca alternativas

Se o Brasil entrar para a OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – como pretende o atual governo, poderá conquistar, de imediato, um primeiro lugar: tudo indica que será o país com o maior tempo de espera para as cirurgias de catarata, no sistema público de saúde.

A OCDE divulga muitos dados sobre saúde em boa parte de seus 36 países, embora os dos Estados Unidos, por exemplo, não apareçam no site da instituição. A espera por uma cirurgia de catarata, varia de 420 dia na Polônia até 26 dias na Itália. Em média, a espera é de 103 dias.

No Brasil, o Ministério da Saúde instituiu uma lista de espera unificada somente em 2017, mas as informações não estão disponíveis. Sabe-se apenas que os usuários esperam em média 314 dias apenas para a consulta com um oftalmologista. Em dezembro de 2017, a fila de espera do Sistema Único de Saúde para correções da opacidade do cristalino tinha 24 mil pessoas, somente em São Paulo; no Brasil eram 113.185 candidatos, de acordo com levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina. Na sua esmagadora maioria, idosos da baixa renda. Para complicar o quadro, em cinco anos, de 2012 a 2017, os procedimentos realizados pelo SUS cresceram 13%, contra um aumento de 19% do número de maduros, isto é, de pessoas que alcançaram a idade e a visão suficientemente prejudicada para que a operação seja indispensável.

A catarata é um problema comum e embora afete jovens e mesmo bebês, tem sua grande incidência entre os idosos. A doença atinge 17% das pessoas com até 65 anos e 47% dos que têm entre 65 a 74 anos. O Ministério da Saúde contabiliza mais de 450 mil cirurgias de catarata por ano – nos Estados Unidos, são mais de 3,5 milhões.
Em várias regiões do mundo há mais demanda que oferta de cirurgias. Os irlandeses, por exemplo, esperam em média dois anos e meio para a cirurgia e a maioria das unidades oftalmológicas só libera os pacientes para o procedimento quando a visão deles já está bem deteriorada, o que é condenado expressamente pelo Royal College of Ophtalmologists desde 2017. Este colégio profissional estima que a demanda por cirurgias de catarata no Reino Unido aumentará 25% nos próximos dez anos e 50% nos próximos 20 anos.

Na Escócia, o Queen Margaret Hospital, em Dunfermline, a 21 quilômetros da capital, adotou um sistema para aumentar a capacidade de atendimento: a grande sala de cirurgia foi dividia em dois e um mesmo cirurgião trabalha com duas equipes de enfermagem.

No Canadá, depois de alertar os pacientes para não recorrer a clínicas particulares, o Ministério da Saúde cedeu e agora aceita pagar pelo procedimento, mesmo se realizado fora do sistema público. Mas ainda não há data para o sistema entrar em funcionamento, contudo.

A chamada onda prateada do envelhecimento vem aumentando a busca por essa cirurgia e tem reduzido a idade média dos pacientes. Um estudo da Clínica Mayo mostrou que, entre 1980 e 2010, as cirurgias de catarata aumentaram cinco vezes. Já a idade mediana dos pacientes baixou para 65 anos entre os americanos, conforme outro estudo recente entre pacientes norte-americanos. Em 2004 , a idade média era de cerca de 73 a 75 anos.

Tudo isso também tem a ver com o avanço da tecnologia. A colocação de lentes intra-oculares aconteceu pela primeira vez em 1949, em Londres, por um ex-médico do Exército que tratara pilotos de combate com olhos afetados por pedaços de velames durante a Segunda Guerra Mundial. Ao lado do dr. Peter Choyce, Ridley desenvolveu essas lentes que substituíram o tratamento conservador da catarata com óculos grossos ou lentes de contato de difícil manejo.

Até a década de 70 do século passado, o procedimento exigia internação hospitalar, incluía uma incisão maior que um centímetro, necessitava de suturas e obrigava o paciente a usar óculos depois de operado. Hoje, dura menos de duas horas, acontece em ambulatórios, tem incisões de um quinto do tamanho. O laser eliminou as suturas e em muitos casos, a pessoa dispensa os óculos depois.

O custo também vem diminuindo com o tempo. Um estudo mostrou que, em dólares ajustados pela inflação, a cirurgia de catarata em 2012 custou 34% menos que em 2000 e 85% menos que em 1985. Mesmo assim, em 2015, o preço médio da cirurgia de catarata era de US $ 3.542 por olho para um paciente sem seguro nos Estados Unidos. Clínicas e médicos brasileiros não informam o preço da cirurgia, sob o argumento de que tudo depende da condição do paciente e da tecnologia empregada. Mas um procedimento básico não sai por menos de cinco mil reais. Há clínicas que parcelam em até dez vezes.

É um mercado gigantesco. Na internet, o mesmo estudo de mercado aparece centenas de vezes, disfarçado por meio de sites, blogs, jornais, publicações as mais diversas. Atrai os interessados, mas condiciona o acesso aos dados.

Por enquanto, a cirurgia é a única solução para a catarata, mas parece haver um outro caminho à vista. Em 2015, um grupo de cientistas da Universidade da Califórnia, liderado pelo professor Kang Zhang, nascido na China, mas formado nos Estados Unidos, revisou a composição genética de duas famílias com catarata congênita e descobriu, quase por acaso, que elas tinham uma mutação no gene da sintase da lanosterol ( LSS ), que parava a produção de lanosterol, um esteróide que ocorre naturalmente. Testaram um colírio com lanosterol em córneas dissecadas de coelhos com catarata por idade e obiveram melhora na claridade das lentes dos animais. Depois de publicar os resultados na revista Nature, repetiram o teste com cães vivos e depois de seis semanas de tratamento também conseguiram reduzir a catarata.

No final do ano passado, depois de encontrarem uma maneira de dissolver as partículas de lanosterol num veículo aquoso, começaram a testar o produto em humanos. Os resultados ainda não foram divulgados. O professor Zhang não promete que esse colírio resolva todo tipo de catarata, mas sim como uma alternativa para pacientes com risco de complicações por determinadas condições oculares, distúrbios hemorrágicos ou cardiovasculares. Também poderia funcionar em áreas remotas e países pobres.
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A melhor maneira de descobrir se você tem catarata é fazer um exame oftalmológico. As pessoas costumam descrever o problema como ter de olhar por uma janela suja e manchada de vaselina. Não acontece do dia para a noite e só piora com o tempo.

As cirurgias tem pouco risco e oferecem outros benefícios para além da melhoria da visão: redução dos acidentes ao dirigir, das quedas, redução da depressão. Os brasileiros que moram no Tocantins poderão agora acompanhar pela internet sua posição reativa na lista de pacientes aguardando cirurgias. O governador do Estado, Mauro Carlesse, do PHS, sancionou no dia 17 de abril passado, lei que torna obrigatória a divulgação da fila de espera, tendo como base o número do Cartão Nacional de Saúde do paciente. Quase cinco mil tocantinenses aguardam por cirurgias eletivas. Em grande parte, de catarata. Um projeto de lei com o mesmo objetivo está tramitando no Senado. Apresentado pelo senador Reguffe, do PDT do Distrito Federal, em 25 de abril de 2018, aguarda avaliação da Comissão de Seguridade Social e Família. Sem trocadilho, se aprovado, veremos o tamanho real do problema.