Suicídio racional estaria aumentando entre os idosos nos EUA

O fenômeno ainda está mais no noticiário do que nas estatísticas: a chegada dos baby boomers, a geração pós-guerra, à velhice estaria reforçando o que os estudiosos chamam de “suicídio racional”, uma escolha de pessoas muito velhas, saudáveis e que decidem encerrar sua história em determinado ponto da vida.

Começando pelas estatísticas, as dos Estados Unidos tem registrado um preocupante incremento na taxa de suicídios, que já é a décima causa de morte no país e aumentou consideravelmente nos últimos anos. Entre 2008 e 2017 subiu de 11,8 para 14 mortes por cem mil habitantes. Isso representa a taxa mais alta desde 1942. Maior, só durante a Depressão, quando chegou a 21,9 por cem mil habitantes em 1932.

Mas a faixa etária onde o suicídio mais cresceu foi entre os 55 e os 64 anos – passou de 15,5 para 19,1, para o período 2000/2017. No caso dos mais velhos, a situação não mudou muito: foi de 17,6 por cem mil para 18,01 entre 75 e 84 e de 19,4 para 20,1 acima de 84 anos. Quer dizer, essas taxas já eram elevadas entre os idosos. Vale lembrar que o grupo etário em que o suicídio aumentou mais faz parte da geração baby boomer, que inclui todos os nascidos entre 1946 e 1964, principalmente na Europa e Estados Unidos.

Em 2017, a doutora Meera Balasubramaniam, especialista em psiquiatria geriátrica da escola de Medicina da Universidade de Nova Iorque e o geriatra Robert E. McCue publicaram um livro sobre o assunto. Antes deles, Dena Davis, 72 anos, professora de bioética da Lehigh University já defendia o suicídio racional. Em artigo publicado no Journal of Medical Ethics de agosto de 2014, Davis afirmou que o desenvolvimento de testes mais acurados para a detecção precoce de Alzheimer oferecia melhor condição para quem for desenvolver a doença coloque o suicídio como possibilidade. Textualmente: “Há uma avalanche de artigos sendo publicados sobre novas formas de diagnosticar a doença de Alzheimer (DA) antes que ela seja sintomática, envolvendo uma combinação de testes invasivos (por exemplo, punção lombar) e testes de papel e caneta. Isso muda a paisagem no que diz respeito aos testes genéticos para risco de DA, tornando o suicídio racional uma opção muito mais viável. Antes da disponibilidade desses testes pré-sintomáticos, mesmo alguém com alto risco de desenvolver DA não sabia se e quando a doença estava se aproximando. Poderia perder anos de boa vida se cometesse suicídio cedo demais, ou arriscar-se a esperar até que fosse tarde demais e a demência já tivesse minado a capacidade de formar e executar um plano. A vigilância contínua por meio desses testes clínicos permite agora juntar o que se sabe sobre o risco de alguém e estabelecer uma boa estratégia para planejar o suicídio antes que alguém se torne demente. Isso tem implicações sobre como esses testes genéticos e clínicos são comercializados e implantados, e a linguagem usada para falar sobre eles. A frase “não há nada que se possa fazer” insulta e desrespeita a opção planejada de suicídio, assim como a linguagem dos estudos de Avaliação de Risco e Educação para Doença de Alzheimer (REVEAL) e outros que concluem que é “seguro” dizer aos sujeitos seu status de risco para AD. Além disso, o argumento apresentado por alguns pesquisadores de que os testes pré-sintomáticos devem permanecer dentro dos protocolos de pesquisa, e os resultados não compartilhados com os sujeitos até o momento em que os tratamentos se tornam disponíveis, desrespeita a autonomia das pessoas de alto risco que consideram o suicídio uma opção.”

Recentemente, Melissa Balley, correspondente da Kaiser Health News em Boston relatou que um grupo de dez idosos da Filadélfia encontrou-se com a doutora Davis, para entender melhor até onde parece aceitável essa hipótese – que nenhum dos participantes pretendia pôr em prática imediatamente. O trabalho de Melissa ganhou relevância ao ser republicado pelo Washington Post e foi rebatido em termos duros por artigo de Wesley J. Smith, na National Review, um veículo conservador, que assinalou: “Estamos nos tornando uma cultura pró-suicídio. Eu prevejo que em cinco ou dez anos, as histórias sobre ‘suicídio racional’ para os idosos não apresentarão nenhuma voz de oposição.”

Uma investigação de seis meses realizada em parceria pela Kaiser Health News e pelo programa NewsHour da PBS, a TV pública norte-americana revelou que os idosos norte-americanos estão se matando silenciosamente em casas de repouso, centros de convivência e lares para adultos. A constatação resulta de uma análise feita pela KHN sobre dados da Universidade de Michigan.

Extrapolando dados apresentados em artigo da professora Briana Mezuk, sobre o estado de Virgínia, para o país inteiro, a KHN concluiu que ocorrem pelo menos 364 suicídios por ano entre pessoas que vivem ou se mudam para instituições de longa permanência.

No século XIII, a Inglaterra criminalizou o suicídio racional – apenas as pessoas consideradas mentalmente sãs eram processadas, uma em cada oito – e a punição se estendia aos membros da família, que perdiam seus bens. Essa norma durou até 1950.

Todo esse debate contraria, de certo modo, as disposições da Organização Mundial de Saúde, que elegeu setembro como o mês de prevenção do suicídio. A entidade vê a mídia como um canal útil para divulgar mensagens de saúde pública sobre suicídio, prevenção e busca de ajuda, mas recomenda que os jornalistas relatem responsavelmente os casos, seguindo o protocolo da própria OMS. “ O relato responsável de suicídio na mídia tem sido eficaz em limitar a imitação entre pessoas vulneráveis”, assinala o documento.
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Para a OMS, que tem uma política específica para o problema desde 1999, cerca de 90% dos indivíduos que puseram fim às suas vidas cometendo suicídio tinham alguma perturbação mental e que, na altura, 60% deles estavam deprimidos.

A entidade afirma que todos os tipos de perturbações do humor têm sido claramente associados aos comportamentos suicidas. O manual da OMS aponta vários mitos que cercam o suicídio. Alguns deles:

– as pessoas que falam sobre o suicídio não farão mal a si próprias, pois querem apenas chamar a atenção;

– o suicídio é sempre impulsivo e acontece sem aviso. FALSO. Morrer pelas suas próprias mãos pode parecer ter sido impulsivo, mas o suicídio pode ter sido ponderado durante algum tempo. Muitos indivíduos suicidas comunicam algum tipo de mensagem verbal ou comportamental sobre as suas ideações da intenção de se fazerem mal;

– suicidas querem mesmo morrer ou estão decididos a matar-se. FALSO. A maioria das pessoas que se sentem suicidas partilham os seus pensamentos com pelo menos uma outra pessoa, ou ligam para uma linha telefónica de emergência ou para um médico, o que constitui prova de ambivalência, e não de empenhamento em se matar;

– os indivíduos que tentam ou cometem suicídio têm sempre alguma perturbação mental. FALSO. Os comportamentos suicidas têm sido associados à depressão, abuso de substâncias, esquizofrenia e outras perturbações mentais, além de aos comportamentos destrutivos e agressivos. No entanto, esta associação não deve ser sobrestimada. A proporção relativa destas perturbações varia de lugar para lugar e há casos em que nenhuma perturbação mental foi detectada;

– o suicídio só acontece “àqueles outros tipos de pessoas,” não a nós. FALSO. O suicídio acontece a todos os tipos de pessoas e encontra-se em todos os tipos de sistemas sociais e de famílias;
após uma pessoa tentar cometer suicídio uma vez, nunca voltará a tentar novamente. FALSO. Na verdade, as tentativas de suicídio são um preditor crucial do suicídio.

Em 2017, o Ministério da Saúde lançou o primeiro boletim epidemiológico sobre o suicídio no Brasil, que apontou um aumento na taxa geral – de 5,3 por cem mil indivíduos em 2011 para 5, 7 em 2015 e estabeleceu como meta reduzir em 10% a mortalidade por suicídio até 2020. Em 2018 não foi publicada nova versão do boletim.