Pandemia revela crise nas instituições para idosos em vários países
O coronavírus deixará uma tarefa global urgente: repensar o sistema de instituições de longa permanência que cuidam de idosos em vários países. As informações, ainda imprecisas e fragmentadas, demonstram a enorme vulnerabilidade dessas instituições, que abrigam um percentual pequeno dos mais velhos (um por cento no Brasil, 5% nos EUA), existem desde a Grécia Antiga, são alvo de preconceito, mas colecionam histórias terríveis, que a pandemia veio multiplicar.
No Canadá, a diretora de saúde pública, Theresa Tam, afirmou que cerca de metade das mortes de coronavírus aconteceu em casas de repouso. Numa instituição de Montreal, Rèsidence Herron, a equipe médica abandonou os pacientes famintos e doentes e as autoridades se deram conta de que o proprietário tinha uma longa ficha criminal. Ali morreram 31 pessoas em menos de um mês, com cinco casos confirmados de coronavírus.
A polícia encontrou 17 corpos em sacos plásticos numa pequena sala do Andover Subagute and Rehabilitation Center II, no Estado de Nova York, um lar de idosos com 543 camas, que não tinha qualquer condição de enfrentar a Covid-19. Pelo menos 70 pessoas morreram na instituição, onde dezenas de residentes e funcionários testaram positivo.
Nos Estados Unidos, o jornal The New York Times estimou em sete mil o número de mortos pela Covid 19 em casas de repouso – um quinto do total. Outro levantamento da ABC News foi além e contabilizou 7.300 pessoas vivendo em tratamento vítimas da pandemia.
A ABC divulgou as estimativas de especialistas que acham provável que o número real seja ainda maior, já que os dados disponíveis abrangem apenas 19 estados onde os escritórios dos governadores e os departamentos estaduais de saúde acompanharam a pandemia. Outros 21estados ainda não informaram esses dados, nem responderam aos pedidos de informações da rede de TV.
Na Califórnia há mais de três mil casos positivos entre residentes e funcionários das 61 instituições. No estado do Illinous, há casos – pelo menos um – em 186 instituições em 22 municípios. Um quarto de todas as mortes relatadas por coronavírus aconteceram nessas ILPs.
O governo federal americano resolveu afinal exigir que as casa de repouso informem os residentes, suas famílias e representantes, quando alguém na instituição contrair a doença. A nova regra exige que os lares detalhem que medidas estão tomando para mitigar a propagação da doença e relatem os casos de COVID-19 diretamente aos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, para que assim surja um banco de dados nacional – hoje, as instituições são obrigadas a informar apenas as autoridades locais e estaduais.
Na semana passada, a Agência de Saúde Pública da Suécia informou que 1.333 pessoas haviam morrido de coronavírus, levando Anders Tegnell, o comandante do combate à pandemia a reconhecer que é essa a área mais problemática, ecoando o que dissera pouco antes o primeiro-ministro Stefan Löfven. Especialistas apontam a situação nos lares de idosos como o grande fracasso da estratégia sueca, menos restritiva que a de países próximos.
No Reino Unido, o National Care Forum (NCF), que representa instituições de cuidadores sem fins lucrativos, estima em quatro mil as mortes durante a pandemia, que não foram incluídas nas estatísticas oficiais. Outros 3.300 ocorreram já nos hospitais, para onde os internos sintomáticos foram transferidos. Até o dia três de abril, a contabilidade oficial carimbava só 217 mortos como sendo de casas de repouso na Inglaterra e País de Gales. Os cuidadores querem que o governo construa um “anel de aço” em torno das ILSs, oferecendo equipamentos de proteção individual, dispositivos de monitoramento médico, testes rápidos, pesquisas e financiamento
A boa notícia inglesa é que está sendo preparada (é anterior à pandemia, registre-se) uma pesquisa ampla envolvendo mais de duas dúzias de pesquisadores da Universidade de Edimburgo e o grupo de serviços financeiros Legal & General, para examinar a qualidade de vida dos idosos. O Centro de Pesquisas em Cuidados Avançados foi criado em janeiro e começara o trabalho em setembro, sob o comando do diretor do centro, professor Bruce Guthrie. A L&G admite que a pandemia expôs as fraquezas do sistema de assistência social, que já vinha em crise há algum tempo. Guthrie quer que a ação seja rápida e urgente: “Como clínico e acadêmico, vejo a imensa pressão que o Sistema Nacional de Saúde (NHS) e os sistemas de assistência estão sujeitos ao Covid-19, mas não devemos perder de vista o objetivo de longo prazo de garantir que os cuidados posteriores sejam eficaz, seguro, humano e eficiente possível.”
Para Nigel Wilson, CEO da L&G, as pressões no sistema de assistência permanecerão após o desaparecimento da pandemia atual e será necessária uma abordagem de longo prazo, baseada em pesquisa e em todo o sistema.
No Brasil não há estatísticas confiáveis. Alguns casos são dramáticos. No município de Antonio Carlos, na Grande Florianópolis, há uma única instituição de longa permanência de idosos. Ali quatro moradores morreram com diagnóstico de coronavírus e outros seis estão com a doença. A casa de repouso contabiliza sozinha praticamente todos os casos de Covid-19 da cidade de pouco mais de 8,5 mil habitantes. O município, que não tem hospital e conta apenas com um Centro de Saúde, está em situação de calamidade pública.
Pelas contas da prefeitura, são 13 os casos de coronavírus, dos quais 11 no asilo. O estado de Santa Catarina diz que os mortos até dia 19 de abril eram 35. A curva de crescimento não é das piores, mas não há informações sobre o universo específico das instituições de longa permanência.