Velhos devem ser prioridade para receber a vacina, mas a solução final vai demorar
Ninguém sabe ao certo a eficácia das quase 150 vacinas que estão sendo desenvolvidas contra o coronavírus e muito menos quando alguma delas estará disponível em escala – e em que países. Mas cientistas e autoridades sanitárias internacionais já discutem acaloradamente quem terá prioridade ao recebê-la. E os idosos estão na primeira fila.
Ruth Faden, especialista em bioética da Universidade Johns Hopkins, integra o Grupo de Trabalho em Vacinas Covid-19 da Organização Mundial de Saúde e reconhece que garantir que todas as pessoas, independentemente de onde estejam no mundo sejam beneficiadas é um enorme desafio geopolítico.
Em entrevista para Katie Pierce, Faden explicou que parte do problema deriva do fato de que a investigação está sendo feita por pesquisadores de laboratórios comerciais, o que torna provável que os países mais ricos larguem na frente:
“Existe o assim chamado nacionalismo de vacinas – em que os países entendem que suas obrigações são principalmente, se não exclusivamente, com seus próprios residentes. Embora exista a expectativa de que os países com os recursos e a capacidade de produção atendam primeiro às suas próprias necessidades de saúde, será que eles devem ignorar as necessidades das pessoas que vivem em outros países com sérias restrições econômicas? Do ponto de vista da ética, deveria haver um equilíbrio.”
Faden também lembrou que a Organização Mundial de Saúde está tentando estabelecer um regime de cooperação entre os principais atores globais, que facilite o acesso às vacinas e que o comitê que ela preside deverá apresentar recomendações nesse sentido.
Mas ela também reconhece que a decisão norte-americana de retirar recursos da OMS não ajuda nem um pouco que isso ocorra, embora acredite nas fortes conexões da entidade com a comunidade científica e os agentes de saúde pública dos EUA, onde filantropos têm apoiado as pesquisas.
Como num primeiro momento haverá menos doses que o necessário, a vacina será destinada inicialmente aos trabalhadores essenciais. O ponto, alerta a especialista em bioética, está na definição de quais esses profissionais. Um exemplo: os profissionais de saúde devem vir antes de quem produz ou distribui alimentos?
O topo da lista terá de incluir ainda as pessoas com maior risco médico – e aqui é que entram os velhos. Em certos países, determinadas comorbidades precisarão ser atendidas também, como a obesidade entre os norte-americanos.
“Uma coisa que sabemos sobre pandemias é que os mais pobres e menos poderosos da sociedade se machucam mais. Nos EUA, vimos isso acontecer nesta pandemia com as pessoas de cor, que estão enfrentando taxas desproporcionalmente altas de infecções e mortes por razões enraizadas em injustiças estruturais. Há uma conversa importante sobre se, como parte do acerto de contas racial muito atrasado nos EUA, devemos considerar colocar as pessoas de cor no topo da lista de prioridade de vacinas nos primeiros dias.”
Ruth Faden alerta para um risco adicional – o de transformarmos a vacina na bala de prata capaz de resolver o problema da noite para o dia:
“É errado pensar que uma vacina será uma solução rápida que salva o mundo inteiro de uma só vez. Uma vacina pode desempenhar um papel crítico para voltar ao normal ao longo do tempo, mas será um processo lento e em camadas, que tem muitas complicações”.