Em Tempo https://emtempo.blogfolha.uol.com.br Velhices, longevidade, superação Wed, 26 Aug 2020 17:32:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Gerontóloga acha que Brasil precisa encarar a morte de frente https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/2019/08/21/gerontologa-acha-que-brasil-precisa-encarar-a-morte-de-frente/ https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/2019/08/21/gerontologa-acha-que-brasil-precisa-encarar-a-morte-de-frente/#respond Wed, 21 Aug 2019 17:19:03 +0000 https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/Screen-Shot-2019-08-21-at-9.55.24-AM-320x215.png https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/?p=240 Ana Cláudia Quintana Arantes tem 50 anos, é médica, gerontóloga e especialista em cuidados paliativos. Autora do best seller A morte é um dia que vale a pena viver, acha que passou da hora dos brasileiros tratarem desse tema-tabu, que poucos querem encarar. Para ela, o Brasil de hoje, tem um espaço bem macabro em relação aos cuidados de fim de vida “Macabro no sentido da insensibilidade sobre as necessidades de cuidado no sofrimento” disse em entrevista a este blogueiro para a série inédita do SESCTV Envelhecer. Alguns trechos da conversa:

P- O Brasil enfrenta bem a morte?

Somos imaturos frente à percepção da morte. Se você tem um diagnóstico de uma doença que ameaça a vida, você vai lutar pela vida. Vai estabelecer uma guerra com a doença. Esse é um pensamento que gasta energia e não serve pra nada. Você devia encarar que isso, a doença, chegou na sua vida. Eu tenho um caminho junto dessa doença e vou ter que me dedicar para conseguir o melhor. Não é uma guerra, porque a doença faz parte do meu corpo agora. Então, você vai entrar em contato com essa novidade do seu corpo e vai interagir com o seu corpo para favorecer a recuperação. Quem descobre, por exemplo, que está com um câncer de pulmão ou um problema cardíaco e pergunta o que adiantou ter cuidado do seu corpo, feito ginástica, não entendeu o que fez. Você tem que cuidar do corpo porque é a nave que você habita. É através do seu corpo que você se realiza. Você tem que se movimentar para chegar nos lugares onde você vai se sentir bem, onde você vai se realizar profissionalmente, emocionalmente, com a sua família. Você precisa respirar, você precisa ter uma função mínima do seu corpo em funciona, em plenitude para usufruir da alegria de estar vivo. Se você não cuidou do seu corpo por este motivo, você cuidou pelo motivo errado.

É preciso se preparar para adoecer e a ideia de transcender, de se superar, é diferente da ideia de luta, que pressupõe um ganhador e um perdedor. A doença não acredita nada, a doença existe. Ela segue o rumo dela. Não existe uma entidade doença, que chora porque ficou em segundo lugar. A doença ocupa o lugar que ela tem que ocupar.

P- Há como medir qualidade da morte em países diferentes?

Sim. Morremos mal no Brasil, porque não aceitamos a condição de finitude e os que aceitam não encontram profissionais de saúde, médicos, instituições que consigam cuidar dessa pessoa a partir da experiência do sofrimento, não só pela experiência da doença. Só 0,3% dos pacientes tem acesso aos cuidados paliativos no Brasil. Esse é o último índice avaliado, foi em 2015, quando num estudo envolvendo 83 países, ficamos em 42o lugar, abaixo de Uganda. Nem 50 das nossas 331 faculdades de Medicina incluem os cuidados paliativos na formação. Poucos médicos sabem lidar com uma situação de finitude.

P- O que que os cuidados paliativos podem oferecer a quem está no fim da vida?

A doença não vai ter cura, mas vai ter controle. Com cuidados paliativos, os pacientes vivem mais tempo. Cuidamos do sofrimento físico, relacionado à doença e da dimensão emocional, porque ninguém está preparado para, de fato, perceber a morte chegando, vai experimentar medo, culpa, mágoa, arrependimento, uma negação, que muitas vezes se transforma em aceitação. Uma montanha russa emocional que permeia essa experiência é que pode ser cuidada também.(…) A sociedade brasileira é uma sociedade que crê. E aí, tem o seu Deus, tem o meu, tem o deus de cada um aqui e o que vai te trazer propósito no fim da vida – numa pesquisa também que foi feita com essa percepção de que que é valioso no, no último dia de vida que você vai ter por aqui, é estar em paz com Deus. Os cuidados paliativos permitem oferecer profissionais capacitados pra avaliar essa dimensão de cada paciente.

P- A qualidade da morte do paciente é de inteira responsabilidade do médico?

Não. É um trabalho feito com muitas mãos, muitos corações e muitas mentes. Pode ser ajudado pelo médico, pelo psicólogo, pelo enfermeiro, pelo assistente social, por todos os membros profissionais de saúde da equipe. Que vão ser como se fossem diretores de cena, vamos dizer assim, para proporcionar a realização daquele paciente. E devemos ter a família junto. Porque, num primeiro momento, a família é um alvo de cuidados, mas, a partir do momento em que conseguimos cuidar dela, ela se incorpora a esse processo de cuidar. O processo de morrer é solitário, é do paciente. Mas tudo que é vivenciado ao redor desse processo é comunitário.

P. Qual o papel do Estado nesse fim de vida?

Era um papel bastante distanciado, porque o Estado se comporta como reflexo da sociedade que o compõe, que negando esse processo de morte. Desde novembro de 2018, temos uma normativa sobre os cuidados paliativos no SUS. Está aprovado, reconhecido. Precisamos agora ter quem faça. Temos que mostrar ao que viemos, sem mi-mi-mi.

P- Em termos de custo, os cuidados paliativos são tão expressivos como os do tratamento?

O entendimento do cuidado paliativo como a arte de suspender tratamento é um dos grandes pesos que eu e os meus colegas e todo mundo que faz cuidado paliativo carrega. É como se olhassem pra gente e falassem assim: ah, vocês são os especialistas e não vão fazer nada, porque não tem nada pra fazer, então vocês não fazem nada, vocês tiram tudo. Só que isso é um grave erro. A questão é a capacidade desse profissional de avaliar o que o paciente está recebendo e ajustar o que é oferecido para as necessidades dele. Pode ser que ele precise fazer uma diálise, pode ser que ele precise de uma transfusão, de uma cirurgia.

E o entendimento das pessoas é assim: ué, mas não pode gastar nada. Então, existe um custo, só que é um custo, é, da, diretamente relacionado `que equidade de recursos. Você vai dar tudo pra o quem pode aproveitar cada um dos procedimentos que são oferecidos.Quando você tem o discernimento do que que é melhor para ser feito em termos de qualidade de vida, você consegue fazer as melhores escolhas. Porque aí, você não vai, é, colocar o paciente na UTI, porque vai piorar a vida dele e ele quer ficar com a família. A consequência de um cuidado paliativo bem feito é redução de custo, mas ela não é o objetivo do cuidado. Eu não olho para o paciente e vou ver quanto que eu posso gastar a menos. Eu olho para o paciente e vejo o que que eu posso fazer para ele ser feliz.

P- Isso vai na contramão da indústria.

Vai, mas a indústria também é feita de pessoas. E elas vão morrer também. Governo, Estado, indústria… essas entidades são feitas de pessoas e essas pessoas também são mortais. Você pode ter o poder que tiver, mas não vai convencer ninguém a morrer no seu lugar. Pode ter o dinheiro que você for e pode morrer numa cama de ouro, mas sua morte pertence a você, não compra ninguém para ficar no seu lugar. Esse processo é um processo de consciência humana, não de poderes.

]]>
0
Suicídio racional estaria aumentando entre os idosos nos EUA https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/2019/07/11/suicidio-racional-estaria-aumentando-entre-os-idosos-nos-eua/ https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/2019/07/11/suicidio-racional-estaria-aumentando-entre-os-idosos-nos-eua/#respond Thu, 11 Jul 2019 10:45:36 +0000 https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/Édouard_Manet_-_Le_Suicidé_ca._1877-320x215.jpg https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/?p=201 O fenômeno ainda está mais no noticiário do que nas estatísticas: a chegada dos baby boomers, a geração pós-guerra, à velhice estaria reforçando o que os estudiosos chamam de “suicídio racional”, uma escolha de pessoas muito velhas, saudáveis e que decidem encerrar sua história em determinado ponto da vida.

Começando pelas estatísticas, as dos Estados Unidos tem registrado um preocupante incremento na taxa de suicídios, que já é a décima causa de morte no país e aumentou consideravelmente nos últimos anos. Entre 2008 e 2017 subiu de 11,8 para 14 mortes por cem mil habitantes. Isso representa a taxa mais alta desde 1942. Maior, só durante a Depressão, quando chegou a 21,9 por cem mil habitantes em 1932.

Mas a faixa etária onde o suicídio mais cresceu foi entre os 55 e os 64 anos – passou de 15,5 para 19,1, para o período 2000/2017. No caso dos mais velhos, a situação não mudou muito: foi de 17,6 por cem mil para 18,01 entre 75 e 84 e de 19,4 para 20,1 acima de 84 anos. Quer dizer, essas taxas já eram elevadas entre os idosos. Vale lembrar que o grupo etário em que o suicídio aumentou mais faz parte da geração baby boomer, que inclui todos os nascidos entre 1946 e 1964, principalmente na Europa e Estados Unidos.

Em 2017, a doutora Meera Balasubramaniam, especialista em psiquiatria geriátrica da escola de Medicina da Universidade de Nova Iorque e o geriatra Robert E. McCue publicaram um livro sobre o assunto. Antes deles, Dena Davis, 72 anos, professora de bioética da Lehigh University já defendia o suicídio racional. Em artigo publicado no Journal of Medical Ethics de agosto de 2014, Davis afirmou que o desenvolvimento de testes mais acurados para a detecção precoce de Alzheimer oferecia melhor condição para quem for desenvolver a doença coloque o suicídio como possibilidade. Textualmente: “Há uma avalanche de artigos sendo publicados sobre novas formas de diagnosticar a doença de Alzheimer (DA) antes que ela seja sintomática, envolvendo uma combinação de testes invasivos (por exemplo, punção lombar) e testes de papel e caneta. Isso muda a paisagem no que diz respeito aos testes genéticos para risco de DA, tornando o suicídio racional uma opção muito mais viável. Antes da disponibilidade desses testes pré-sintomáticos, mesmo alguém com alto risco de desenvolver DA não sabia se e quando a doença estava se aproximando. Poderia perder anos de boa vida se cometesse suicídio cedo demais, ou arriscar-se a esperar até que fosse tarde demais e a demência já tivesse minado a capacidade de formar e executar um plano. A vigilância contínua por meio desses testes clínicos permite agora juntar o que se sabe sobre o risco de alguém e estabelecer uma boa estratégia para planejar o suicídio antes que alguém se torne demente. Isso tem implicações sobre como esses testes genéticos e clínicos são comercializados e implantados, e a linguagem usada para falar sobre eles. A frase “não há nada que se possa fazer” insulta e desrespeita a opção planejada de suicídio, assim como a linguagem dos estudos de Avaliação de Risco e Educação para Doença de Alzheimer (REVEAL) e outros que concluem que é “seguro” dizer aos sujeitos seu status de risco para AD. Além disso, o argumento apresentado por alguns pesquisadores de que os testes pré-sintomáticos devem permanecer dentro dos protocolos de pesquisa, e os resultados não compartilhados com os sujeitos até o momento em que os tratamentos se tornam disponíveis, desrespeita a autonomia das pessoas de alto risco que consideram o suicídio uma opção.”

Recentemente, Melissa Balley, correspondente da Kaiser Health News em Boston relatou que um grupo de dez idosos da Filadélfia encontrou-se com a doutora Davis, para entender melhor até onde parece aceitável essa hipótese – que nenhum dos participantes pretendia pôr em prática imediatamente. O trabalho de Melissa ganhou relevância ao ser republicado pelo Washington Post e foi rebatido em termos duros por artigo de Wesley J. Smith, na National Review, um veículo conservador, que assinalou: “Estamos nos tornando uma cultura pró-suicídio. Eu prevejo que em cinco ou dez anos, as histórias sobre ‘suicídio racional’ para os idosos não apresentarão nenhuma voz de oposição.”

Uma investigação de seis meses realizada em parceria pela Kaiser Health News e pelo programa NewsHour da PBS, a TV pública norte-americana revelou que os idosos norte-americanos estão se matando silenciosamente em casas de repouso, centros de convivência e lares para adultos. A constatação resulta de uma análise feita pela KHN sobre dados da Universidade de Michigan.

Extrapolando dados apresentados em artigo da professora Briana Mezuk, sobre o estado de Virgínia, para o país inteiro, a KHN concluiu que ocorrem pelo menos 364 suicídios por ano entre pessoas que vivem ou se mudam para instituições de longa permanência.

No século XIII, a Inglaterra criminalizou o suicídio racional – apenas as pessoas consideradas mentalmente sãs eram processadas, uma em cada oito – e a punição se estendia aos membros da família, que perdiam seus bens. Essa norma durou até 1950.

Todo esse debate contraria, de certo modo, as disposições da Organização Mundial de Saúde, que elegeu setembro como o mês de prevenção do suicídio. A entidade vê a mídia como um canal útil para divulgar mensagens de saúde pública sobre suicídio, prevenção e busca de ajuda, mas recomenda que os jornalistas relatem responsavelmente os casos, seguindo o protocolo da própria OMS. “ O relato responsável de suicídio na mídia tem sido eficaz em limitar a imitação entre pessoas vulneráveis”, assinala o documento.
​​
Para a OMS, que tem uma política específica para o problema desde 1999, cerca de 90% dos indivíduos que puseram fim às suas vidas cometendo suicídio tinham alguma perturbação mental e que, na altura, 60% deles estavam deprimidos.

A entidade afirma que todos os tipos de perturbações do humor têm sido claramente associados aos comportamentos suicidas. O manual da OMS aponta vários mitos que cercam o suicídio. Alguns deles:

– as pessoas que falam sobre o suicídio não farão mal a si próprias, pois querem apenas chamar a atenção;

– o suicídio é sempre impulsivo e acontece sem aviso. FALSO. Morrer pelas suas próprias mãos pode parecer ter sido impulsivo, mas o suicídio pode ter sido ponderado durante algum tempo. Muitos indivíduos suicidas comunicam algum tipo de mensagem verbal ou comportamental sobre as suas ideações da intenção de se fazerem mal;

– suicidas querem mesmo morrer ou estão decididos a matar-se. FALSO. A maioria das pessoas que se sentem suicidas partilham os seus pensamentos com pelo menos uma outra pessoa, ou ligam para uma linha telefónica de emergência ou para um médico, o que constitui prova de ambivalência, e não de empenhamento em se matar;

– os indivíduos que tentam ou cometem suicídio têm sempre alguma perturbação mental. FALSO. Os comportamentos suicidas têm sido associados à depressão, abuso de substâncias, esquizofrenia e outras perturbações mentais, além de aos comportamentos destrutivos e agressivos. No entanto, esta associação não deve ser sobrestimada. A proporção relativa destas perturbações varia de lugar para lugar e há casos em que nenhuma perturbação mental foi detectada;

– o suicídio só acontece “àqueles outros tipos de pessoas,” não a nós. FALSO. O suicídio acontece a todos os tipos de pessoas e encontra-se em todos os tipos de sistemas sociais e de famílias;
após uma pessoa tentar cometer suicídio uma vez, nunca voltará a tentar novamente. FALSO. Na verdade, as tentativas de suicídio são um preditor crucial do suicídio.

Em 2017, o Ministério da Saúde lançou o primeiro boletim epidemiológico sobre o suicídio no Brasil, que apontou um aumento na taxa geral – de 5,3 por cem mil indivíduos em 2011 para 5, 7 em 2015 e estabeleceu como meta reduzir em 10% a mortalidade por suicídio até 2020. Em 2018 não foi publicada nova versão do boletim.

]]>
0
É hipocrisia entregar só à família a missão de cuidar dos idosos https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/2019/03/05/e-hipocrisia-entregar-so-a-familia-a-missao-de-cuidar-dos-idosos/ https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/2019/03/05/e-hipocrisia-entregar-so-a-familia-a-missao-de-cuidar-dos-idosos/#respond Tue, 05 Mar 2019 10:30:51 +0000 https://emtempo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/1800224-320x215.png http://emtempo.blogfolha.uol.com.br/?p=55 Quando eu era garoto, minha avó foi morar numa casinha que meu pai construiu no amplo terreno num subúrbio paulistano. Ela tivera um derrame e já não podia morar sozinha. Naquela época,1960, havia 3,3 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais – representavam 4,7% da população. Em 2000, já eram 14,5 milhões, ou 8,5% dos brasileiros nessa faixa etária. Em 2010, os idosos chegaram a 20,5 milhões, ou 10,8% da população. Se eu chegar aos 90 anos, em 2042, ainda verei um país com 25% da população acima dos 65 anos, estima o IBGE.

Poucos países estão vivendo esse processo nessa velocidade. Nosso envelhecimento é duas vezes maior que a média mundial e nos coloca entre os 12 países que estão envelhecendo mais rapidamente.

É uma boa notícia? É. Viver mais é uma conquista, principalmente para quem tem saúde. Mas é também um enorme desafio. Teremos menos jovens para sustentar os mais velhos. E o cobertor vai ficar cada vez mais curto.

Pela lei, cumpre primeiro às famílias (e só depois ao Estado) garantir a sobrevivência dos mais velhos. E nossas famílias tem menos filhos, as mulheres já entraram para o mercado de trabalho, não se conformam mais (justamente) em ficar em casa. Se meus pais fossem vivos e incapazes de viver de modo independente, fico pensando qual dos filhos cuidaria deles.

Só um por cento dos idosos vivem nas chamadas instituições de longa permanência, o que costumamos entender como asilos e assemelhados. A economista Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea e coordenadora de Estudos e Pesquisas de Igualdade de Gênero, Raça e Gerações, da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais, que entrevistei não faz muito, resume a situação assim: “O idoso frágil, pessoas com o grau mais elevado de dificuldade na vida diária, aquele que não vai ao banheiro sozinho, que não come sozinhos, que não toma banho sozinho, constitui em torno de 15% da população idosa – quase 4 milhões de brasileiros. Mas não há nenhuma política específica para esse grupo. Cerca de cem mil moram em asilos ou casas de repouso. Quer dizer: são as famílias que estão cuidando ou descuidando dos outros 3,9 milhões. Sem nenhuma ajuda. É claro que o governo não tem condição de botar todo mundo no asilo, mas tampouco ajuda as famílias que cuidam de seus idosos. E por isso, muitas mulheres, pois geralmente são as mulheres que assumem essa tarefa, têm que deixar o trabalho para poder cuidar ou do marido ou do pai.”

Perguntei a Ana se o Estatuto do Idoso não resolveria esse impasse. Resposta da economista: não, pois embora o Ministério Público deva fiscalizar, é fácil burlar as regras e deixar nossos idosos abandonados nas instituições. Pior ainda: é possível ao Estado criminalizar a família que abandona seu idoso. Mas quem criminaliza o Estado, por não dar ajuda a essas famílias todas?

A psicóloga Anita Liberalesso Neri, 72 anos, psicóloga e professora da Unicamp, usa uma palavra forte para definir a insistência em entregar para a família a missão exclusiva de cuidar de seus idosos: hipocrisia: “Existe uma hipocrisia no sentido de não admitir que muitas famílias não tem condição financeira, não tem nem número de pessoas, na medida em que as novas gerações são cada vez mais rarefeitas, que as famílias são cada vez mais verticais. A grande família é cada vez mais uma fantasia. Muitas doenças que hoje são mais correntes nas estatísticas, como as demências tipo Alzheimer eram eventos raros no passado. As pessoas ficavam pouco tempo doentes, morriam logo. Então, atribuir os cuidados aos idosos só às famílias é não querer enxergar a realidade. O ideal seria que as famílias fossem coadjuvadas por serviços auxiliares: atendimento domiciliar, pois o velho não precisa ficar internado para sempre, abandonado numa instituição, onde nunca mais ninguém vai visitar, não é isso”.

Anita Neri ressalta que muitos idosos precisam de atendimento contínuo, desde o apoio mínimo, quando ainda estão aptos e podem ser ajudado dentro de casa, até os que não podem mais se cuidar sozinhos. “Em todas as culturas, uma das decisões mais difíceis da família é de institucionalizar os idosos. Existe toda uma questão de apego de tradição, é muito complicado tomar essa decisão. Eu não estou dizendo ‘largar’, ‘jogar’, que são verbos altamente pejorativos, carregados. Institucionalizar, internar por absoluta necessidade, é muito difícil. Aqui no Brasil, é também extremamente caro, para quem pode pagar, as Instituições estão se tornando mais numerosas e mais variadas quanto a oferta. Mas elas são insuficientes. As que não são pagas, para aqueles que são mais pobres, são absolutamente insuficientes. Mas na base tudo existe uma ilusão e uma hipocrisia, de que é uma família e, se ela não faz isso, ela é ruim. A família é a vilã, o velho é sempre a vítima, ele pode não ser. Ele pode ser doente, mas ele pode ter sido também um velho abusador e o que ele pode esperar dessa família de quem ele foi abusador, com quem ele não estabeleceu laços, com os filhos, com uma filha, com a nora”.

 

]]>
0